23 Novembro 2022

Comissão de peritos identifica desafios sem precedentes enfrentados pela investigação europeia na área do cancro

Do impacto da pandemia de COVID sobre a investigação do cancro e o seu tratamento atempado, à falta de foco, na investigação e na área da prevenção, peritos avisam que, sem acções urgentes, a Europa pode estar a caminho de uma epidemia de cancro na próxima década.

Comissão de peritos identifica desafios sem precedentes enfrentados pela investigação europeia na área do cancro

Um relatório publicado na passada semana (16 novembro) na revista The Lancet Oncology por uma comissão de peritos, intitulado Key messages from European Groundshot – addressing Europe’s cancer research challenges: a Lancet Oncology Commission, analisa o estado actual da investigação em cancro na Europa, identifica diferenças geográficas e de género (entre outras) e emite recomendações para repensar as prioridades da investigação em cancro europeia.

Fátima Cardoso, que dirige a Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud/Fundação Champalimaud, é uma das co-autoras do novo relatório.

“Temos uma oportunidade inigualável para reimaginar a investigação em cancro e a sua implementação, de forma a atingir a nossa ambiciosa meta dos “70:35”: uma média de 70% de sobrevivência a dez anos para os doentes tratados na Europa até 2035. Não deixemos passar esta oportunidade”, disse Mark Lawler, da Queen’s University de Belfast, Presidente da Lancet Oncology Commision e principal autor do relatório, citado por um comunicado de imprensa emitido pela revista médica.

A Comissão – que inclui cientistas, profissionais de saúde e doentes – estima que, em toda a Europa, um milhão de diagnósticos de cancro e 100 mil rastreios possam ter ficado por realizar nos últimos dois anos. Além disso, os cancelamentos ou adiamentos de ensaios clínicos constituíram um travão na investigação.

O relatório realça que a investigação em cancro na Europa se defronta com três grandes “ameaças”: o impacto da pandemia de COVID-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia e o Brexit. Também revela que, na Europa, o montante total do investimento público na investigação em cancro, entre 2010 e 2109, foi de cerca de 26 euros per capita, enquanto nos Estados Unidos, durante o mesmo período, foi dez vezes maior: 234 euros per capita no mínimo. Além disso, o fosso entre a investigação feita na Europa do Leste e na Europa Ocidental está a crescer; tem-se dado muito pouca atenção e atribuído poucos fundos à investigação da prevenção do cancro; e “as mulheres em posição de autores seniores representam menos de um terço de todos os autores nos países europeus que mais resultados produzem em matéria de investigação em cancro.”

No que diz respeito às prioridades da investigação, os autores do relatório escrevem: “A Comissão destaca também que, na Europa, o foco das descobertas científicas e investigação farmacêutica precisa de ser alargado para incluir áreas como a prevenção e o diagnóstico precoce; modalidades de tratamento tais como a radioterapia e a cirurgia; e uma maior concentração no desenvolvimento de uma estratégia de investigação e inovação para os mais de 20 milhões de europeus que vivem para além do diagnóstico do seu cancro”.

Baseando-se nos dados recolhidos, a Comissão enumera 12 recomendações para a investigação europeia em cancro, entre as quais “aumentar a capacidade de investigação, nos países de Europa do Leste, em 25% até 2025 (...); duplicar o financiamento da investigação em cancro, na Europa, para 50 euros per capita até 2030 (...); facilitar a participação do Reino Unido nas actividades europeias de investigação em cancro (...); e melhorar a igualdade de género na investigação em cancro”.

“Esta Comissão da Lancet levanta questões importantes e urgentes com as quais a Europa precisa de lidar para promover uma investigação em cancro de alta qualidade e centrada no doente”, diz Fátima Cardoso. “Em Portugal, a situação tem-se degradado substancialmente nos últimos anos, com atrasos inaceitáveis na abertura de ensaios clínicos e um acesso extremamente difícil ao financiamento. O sistema é demasiado lento e demasiado difícil, o que constitui uma das principais razões para a fuga de cérebros que vemos a acontecer nas novas gerações. Segundo muitas métricas utilizadas por esta Comissão, a nossa situação é semelhante à dos países da Europa do Leste. Devemos agir sem demora para reverter esta situação e melhorar a vida dos doentes com cancro e dos que sobrevivem ao cancro em Portugal.”
 

Por Ana Gerschenfeld, Health&Science Writer da Fundação Champalimaud, baseada no Press Release original preparado pela The Lancet Oncology Commission. 

Original Paper

 

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